Agricultura
Regenerativa
por
Catarina Joaquim e Carlos Simões
A
AGRICULTURA REGENERATIVA é um termo que se contrapõe aos sistemas
agrícolas convencionais, que se podem designar genericamente por
sistemas de Agricultura Extractiva.
A
Agricultura Extractiva, pressupõe uma perspectiva simplificada das
plantas como mecanismos de extracção de nutrientes do solo. Assim,
é fornecida pelo agricultor, através da adição de adubos
químicos, a quantidade estimada de nutrientes considerados pela
indústria como fundamentais para o desenvolvimento das plantas
(macronutrientes e alguns micronutrientes), nas quantidades que se estima serem retiradas pela
cultura.
No entanto,
são apenas fornecidos os nutrientes consumidos em maior quantidade,
enquanto que aqueles que as plantas necessitam em quantidades
diminutas (micronutrientes e elementos vestigiais), nunca são
repostos, esgotando-se ao fim de algumas décadas de cultivo.
O solo é
visto como um mero apoio para suster as raízes das plantas, sem vida
própria.
Dessa forma
gera-se um desequilíbrio de minerais e outros nutrientes essenciais para a vida dos organismos do solo. Este solo, enfraquecido,
desmineralizado e desvitalizado produz plantas doentes por falta de
minerais essenciais. Estas plantas, porque estão debilitadas, atraem insectos e
fungos que, por sua vez, são combatidos pelo homem pela adição de
venenos agrícolas.
Os animais
que se alimentam destas plantas desmineralizadas e com resíduos de
pesticidas também adoecem com facilidade, precisando de constantes
tratamentos. A agricultura extractiva de base tecnológica e química,
saída da revolução verde, dá assim origem a alimentos
desnutridos, sem os elementos minerais necessários a uma vida saudável,
provocando doenças em toda a cadeia alimentar, culminando nos seres
humanos.
A
AGRICULTURA REGENERATIVA, pelo contrário, entende a agricultura como
resultante das sinergias existentes na natureza. Procura trabalhar
segundo os processos complexos naturais, de forma a produzir
alimentos ou outros produtos vegetais e animais, operando em
simultâneo a regeneração dos solos, da água, dos ecossistemas, da
atmosfera (fixação de carbono) e do papel na sociedade e rendimento
do agricultor. Em Agricultura Regenerativa pensa-se em termos de
sistemas globais, os chamados Todos ou Holos, porque nada na
natureza acontece isolado, mas tudo funciona por organismos tão íntimos e complexos que se tornam impossíveis de conhecer na totalidade (os Holos ou Todos). Podemos
geri-los, mas nunca conhece-los através do estudo das suas partes
aparentes. Não há interligações, apenas Todos ou Holos, e
padrões.
A forma de
pensamento em Agricultura Regenerativa baseia-se num método de
tomada de decisão denominado Holistic Management,
desenvolvido por Allan Savory, para que o ser humano, que tem uma
forma de pensamento linear perfeitamente adaptado à tecnologia mas
inadaptado ao meio natural (que funciona por Holos) possa tomar as
suas decisões de gestão de forma mais holística, ambientalmente,
economicamente e socialmente equilibradas. Isto permite, entre outras coisas, a rápida
recuperação de solos empobrecidos, ou até reverter desertos.
Há várias
técnicas e tecnologias utilizadas nesta forma de agricultura.
O solo e os
seus microrganismos são privilegiados, uma vez que são a base de
toda a vida e de todo o funcionamento na natureza. Assim, podem ser elaborados e aplicados biofertilizantes, com materiais naturais,
facilmente disponíveis ao agricultor. Estes biofertilizantes
enriquecem a cultura com microrganismos, e não com nutrientes,
porque são estes microrganismos que vão ciclar e disponibilizar os
alimentos existentes no solo para as plantas. Os biofertilizantes são
produzidos na exploração agrícola, numa perspectiva de
auto-sustentabilidade.
A
necessidade de mobilização do solo não é desprezada. Os
microrganismos do solo necessitam de alimento (energia), água e ar
para se desenvolverem. Num solo pobre, gasto e compactado, é
essencial incrementar a sua microbiologia (que está quase
aniquilada) e, para isso, é necessário disponibilizar à vida
microbiana, alimentos, água e ar. Os alimentos podem ser fornecidos
pela existência de plantas verdes, que os alimentam através das
substâncias libertadas pelas suas raízes. A água e o ar precisam
de existir também.
Na
Austrália, foi desenvolvido por P.A. Yeomans um método de
planeamento da exploração agrícola cujo mote principal é a gestão
da água no solo. Este sistema, chamado sistema keyline, utiliza os
declives existentes na topografia dos terrenos para definir as linhas
de passagem do tractor (mobilização) e os pontos de armazenamento
de água adequados (charcas), actuando apenas por gravidade. A sua aplicação traduz-se no aumento da infiltração de água e arejamento do solo, e diminuição da erosão.
A
mobilização segundo as linhas definidas no planeamento em keyline,
efectuada por um equipamento designado por arado Yeomans (nome do seu
inventor), não revira o solo mas actua sub-superficialmente,
descompactando-o. Isto permite a entrada de água e de ar em
profundidade, em locais anteriormente completamente fechados. As
plantas emitem raízes até esses locais, alimentando nova
microbiologia em profundidade, e existe ar e água disponíveis,
também essenciais. Em cada passagem, o arado passa 5 cm mais
profundamente no solo. Isto permite um aprofundamento efectivo do
solo em 10 cm por ano. A profundidade das raízes das plantas é
fundamental para o seu crescimento e saúde.
Em solos
agrícolas esgotados e com erosão, é necessário também repor o
seu teor em micronutrientes e em elementos traço (vestigiais), que
foram totalmente extraídos pelo método agrícola anterior. Assim,
pode aplicar-se pó de rocha, o material original de todos os solos da
terra, que continha originalmente todos os nutrientes necessários
para sustentar os ecossistemas locais, nutrientes que foram perdidos durante o processo de degradação dos solos e ecossistemas.
Outra técnica usada para descompactação do solo é a ferramenta chamada Impacto Animal. Através da gestão do comportamento de animais herbívoros de cascos com elevado peso corporal, como as vacas, concentrando-os num determinado ponto e movendo-os rapidamente, consegue-se a quebra da crosta superficial do solo e a cobertura uniforme do terreno com estrume e urina destes animais. Assim, através da recuperação de um comportamento natural dos herbívoros (concentração em manada em constante movimento), nova erva pode crescer e novos pastos/prados se regeneram, recuperando a vida do solo (que se alimenta das plantas), aumentando a infiltração da água das chuvas, fixando carbono que é retirado da atmosfera pelas ervas dos pastos e aumentando o rendimento do agricultor obtido no mesmo local, agora mais produtivo.
Dias Nas
Árvores - Projecto em Agricultura Regenerativa: Keyline
O nosso
projecto iniciou-se num terreno de 11 ha no Alentejo, resultante da
desflorestação realizada na campanha do trigo, nos anos 30 do
século XX. Neste terreno, onde existiu em tempos uma floresta
mediterrânica, de sobreiros e azinheiras, mas também de
medronheiros, pereiras bravas, pilriteiros, etc., após a
desflorestação, produziu-se trigo e outros cereais, e depois tomate
e milho de forma intensiva. Quando chegámos, em 2011, o solo estava
tão debilitado que nem as ervas cresciam. Numa das zonas do terreno
tinha sido feita uma mobilização e a erosão era enorme.
Começámos
por planear em keyline, e mobilizar uma vez apenas, de acordo com as
suas linhas. Os efeitos de melhoria da saúde do solo foram
imediatos. Aplicámos rocha moída em todo o solo; em 2014 plantámos
as árvores de fruto: citrinos, macieiras, pereiras, ameixeiras
amendoeiras, nogueiras, mirtilos, framboesas e amoras. As árvores
são regadas com biofertilizantes e pulverizadas com algas. O solo
vivo, que quando chegámos tinha menos de 3 cm de profundidade, tem
hoje mais de 20 cm. A biodiversidade é imensa.
O solo nunca
mais ficou nú. Todos os anos é feita uma mobilização com o arado
yeomans, que permite aumentar a profundidade do solo a cada passagem.
Tudo no
pomar é pensado de forma holística. Todos os trabalhos realizados
são pensados para um benefício global do pomar. São plantadas
árvores e arbustos para a fertilidade do solo, o ecossistema, abrigo
de aves, insectos e outros animais acima do solo, mas também de
fungos bactérias, nemátodos, etc, organismos que, abaixo do solo,
precisam de ter fontes de alimento fiáveis, como árvores, arbustos
e plantas herbáceas. Os investimentos de tempo e dinheiro são
analisados relativamente ao seu custo/benefício.
Na
entrelinha, fazemos pastoreio de galinhas poedeiras com galinheiro
móvel e, numa bordadura ainda florestada, estão as abelhas de uma
pessoa amiga.
Ambas as
actividades beneficiam do pomar, e beneficiam o pomar. As galinhas
adicionam fertilidade e as abelhas aumentam a produção. Também os
animais selvagens são encorajados, existindo bebedouros dispersos
durante o verão.
Este é um
projecto de produção agrícola de fruta. Simultaneamente produz
plantas aromáticas, ovos e mel.
Produz
também solo, ecossistema, habitat e um local encantador onde cada
dia de trabalho é uma exultação da natureza!
Catarina
Joaquim
Carlos
Simões